Como qualquer nerd que se preze sabe, uma das principais lições que nós podemos tirar da hexalogia Star Wars é que vários de nós podem, devido a escolhas erradas, se tornar aquilo que mais odeiam (a outra lição importante é que antes de ficar todo malandrão pra cima de alguma mulher você deve ter certeza de que ela não é sua irmã gêmea). E eu tenho que admitir que desde a minha mais tenra infância eu sempre considerei que a antítese perfeita da minha personalidade era o estereótipo do malandrão carioca.
Sim, aquele cara todo playboy, malhadão, cheio de ginga, malícia e fanfarronice, que em plena quarta-feira ficava secando as menininhas na praia, jogava aquela bolinha aos sábados perto do Leblon e que saia aos domingos de bermuda e camisa pólo como se a ciclovia fosse uma espécie de Wimbledom bronzeada. Toda aquela malandrice, toda aquela marra, todo aquele jeitinho auto-indulgente do carioca de novela da Globo, que parece achar que está no centro do universo e tudo vai dar certo porque, de alguma forma o Rio é a terra prometida e não tem como dar errado, tudo isso era o exato oposto da minha personalidade contida, preocupada e que acha que o universo caminha para a entropia e vai chegar lá bem mais rápido do que um ônibus vindo da Barra.
Mas aí eu vim pro Rio e…bem…sabe como são essas coisas. A alergia patológica da praia se transforma numa total incapacidade de abandonar os bares da orla, mesmo quando arrastado pelos braços; a certeza de que eu não vou ficar gastando dinheiro pra entrar em boate se esvai diante de finais de semana de quatro dias que terminam e começam na Lapa; a certeza de que regras devem ser seguidas vai embora quando começamos a convencer motoristas a parar fora do ponto, taxistas a entrar na contra-mão e policiais a não dar multas; e até mesmo meu bravo sotaque mineiro de Juiz de Fora desaparece diante do preponderante “s” chiado carioca. Aquela aparente alegria daqui deixa de parecer presunção e se torna simples felicidade, o total desrespeito pelo sistema, seja o sistema que for, se torna apenas criatividade somada a espontaneidade e o horrendo e bizarro trânsito carioca começa a parecer…horrendo e bizarro, afinal, eu posso ter adorado a cidade, mas ainda não estou maluco.
A verdade é que o Rio precisou de apenas quinze dias pra me conquistar. Claro, admito, ele teve certas vantagens que fariam com que qualquer cidade conquistasse qualquer um, afinal, a mudança pra cá envolveu um aumento significativo de renda, qualidade de vida, auto-estima, aprendi a fazer a barba e, vocês não notaram, mas minha voz e está mais grossa e eu passei a sair nas fotos sem cara de bêbado. E cara, isso é muita coisa. Ainda assim é evidente que é muito cedo pra dizer que o Rio é o lugar certo ou que passou a ser parte do meu projeto de vida. A beleza das praias pode se diluir na tensão da cidade, o legal da vida noturna pode sumir diante dos sustos e da violência, a animação com o novo pode sumir diante da saudade dos amigos que estão longe e tudo mais e talvez em seis meses eu já esteja desesperado na Rodoviária Novo Rio suplicando pra que um ônibus me leve de volta pra Minas e não me traga pra cá nunca mais. Tudo é possível.
Mas por enquanto acho que estou sim no lugar certo. Essa semana começo a procurar apartamento (provavelmente no Flamengo ou em Botafogo), antes do fim do mês começo a malhar (sério, a minha barriga poderia coexistir com uma vida normal em Minas, mas no Rio eu vou ter que entrar em forma e vou me obrigar a fazer isso até o carnaval de 2010) e até o final do ano quero voltar ao inglês e ao francês e vou tentar começar uma pós-graduação. Meu sotaque está mudando, acho que estou ficando mais bronzeado e tenho bebido muita tequila. Sim, é legal estar aqui, solteiro no Rio de Janeiro, como diria Tony Garrido. Mas o trânsito ainda é uma droga. Onde mais uma bicicleta corta uma van na contra mão na frente de um ônibus que está tentando ultrapassar uma charrete pela calçada?