# na linha das grandes palavras de consolo que não servem exatamente pra te consolar, junto com “gosto de você, mas como amigo” e “poderia ter sido nos dois braços, né?”, o famoso “o senhor tem razão mas não podemos fazer nada” tem a intenção de atenuar uma verdade profundamente negativa – não poderem fazer nada – com uma informação que em tese deveria ser positiva – você ter razão. o problema principal com essa lógica, a de que você se sentiria menos chateado de ter ido ao banco pra nada/pago em dia e ainda assim cobrarem juros/ter ficado uma hora no telefone pra não resolver seu problema, é que nesse tipo de situação ter razão não é um atenuante mas sim um agravante para o quão louco das calças você vai ficar com essa palhaçada.
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Mais dois intensos adendos ao intenso catálogo pessoal de momentos de frustração intensa
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Uma coisa que aconteceu comigo semana passada no metrô e que, se eu fosse convidado pra participar de uma dessas coletâneas do tipo “I love rio” seria a trama do meu segmento
daí que eu tinha saído do futebol lá na tijuca e entrei no metrô. no rosto aquele cansaço e aquele desespero que apenas o atleta de meio de semana e o jogador profissional márcio araújo conseguem demonstrar, o corpo como uma imensa pokebóla contendo dentro dela um pokemon chamado “dor” que falaria apenas “dor dor dor dor…arrependimento!”.
por ser a primeira estação as cadeiras tão vazias, sem aquele dilema moral de sentar ou não, então pego uma cadeira perto do final do vagão, me sento, coloco minha mochila do lado, vou dar aquela respirada funda que apenas pessoas cansadas e psicopatas de filme dão, e o metrô vai chegando na segunda estação. logo após ele chegar, eu, já respirando normalmente, decido pegar um livro na mochila e começo um elaborado processo de busca arqueológica porque apenas vou jogando as coisas lá dentro, sem muito critério. Continuar lendo
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Três coisas que aconteceram comigo nesses meus seis anos no Rio de Janeiro e que talvez não tenham ligação direta com o fato de eu estar no Rio de Janeiro mas eu vou sempre associar com o fato de que eu tava no Rio de Janeiro
o ano era 2009, eu era apenas um garoto de óculos recém-chegado do interior e, após me apresentar no meu emprego novo, ali na região da cidade nova, fui pegar, sozinho,meu primeiro ônibus em direção à rodoviária, na intenção de voltar pra juiz de fora e dizer pra minha mãe que tava tudo bem, confirmado, eu ia mudar de cidade, o beliche era todo do julio agora. “é muito fácil”, me disseram. “o ônibus pra rodoviária tá escrito rodoviária nele, ele vai te deixar na rodoviária”, me disseram. veio o ônibus, nele tava escrito rodoviária. eu entrei. munido daquela desconfiança praticamente genética que habita o corpo do cidadão mineiro, eu, mesmo vendo que na frente dizia rodoviária, mesmo vendo que do lado dizia rodoviária, mesmo vendo que dentro dizia rodoviária, perguntei pro motorista “esse ônibus vai pra rodoviária?”. ele falou “não”. eu imaginei que fosse ironia, mas na cara dele não se lia ironia, e ele tava me esperando descer. aí eu falei “não? mas aqui diz rodoviária”. aí ele falou “tá falando sério?”. eu falei “tô”. aí ele saiu do ônibus, olhou lá fora e falou “PUTAQUEPARIU, CARALHO” e voltou pra dentro do ônibus. “PUTA MERDA, ele repetiu”. e aí ele gritou lá pra trás “AGORA TAMOS INDO PRA RODOVIÁRIA, PRA RODOVIÁRIA”. no caminho pra rodoviária o ônibus bateu de leve numa kombi mas chegamos bem. eu até hoje prefiro andar de metrô no rio de janeiro.
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Sobre maçãs, brigas de casal e uma certa sensação contemporânea de repressão emocional
E tinha um casal brigando no mercado. Ela dizia que ele era um canalha, ele falava que ela estava sendo uma vaca, ela tentava pegar o celular da mão dele, ele se defendia com o que parecia ser um pacote amassado de pão integral, o carrinho balançando perigosamente entre os dois, uma bandeja de ovos vermelhos ali prestes a cair.
No entorno o clima era de constrangimento. Idosos desviavam o olhar, mães puxavam seus filhos para o lado, outros casais pareciam estranhamente mais interessados do que de costume no processo de escolha de congelados pro jantar – “mas amor, olha esse aqui, esse tem brócolis também” – e eu perguntava para um repositor por que não tinha mais maçã da turma da mônica no que poderia parecer uma tática de distração mas era uma dúvida genuína, já que eu sou péssimo escolhendo fruta, as maçãzinhas da turma da mônica sempre vinham muito gostosas e ensacadinhas, era bem prático, fiquei chateado de não achar.
Sobre barbas, onças e um certo senso de suspense e trauma matinal
Você estava saindo do apartamento, mais ou menos numa boa. Nesse dia não estava atrasado, nesse dia não tinha reunião, a ida pro trabalho poderia ser tranquila e sem solavancos, era só deixar uma caixa com o porteiro e pronto, dali pro metrô, do metrô uma tranquila caminhada pro trabalho, o clima parecia até ameno.
Aproximou da bancada da portaria, deu aquele bom dia. O porteiro, o mais idoso dos que revezavam na portaria, respondeu bom dia. Deixou a caixa, explicou que iam recolher naquele dia ou amanhã, ele disse que tudo bem, você disse que eram uns óculos que você tinha pedido e que deixavam provar em casa, ele disse que tudo bem, você falou que era porque o seu já tava ficando meio esquisito, ele disse que tudo bem, você agradeceu de novo, ele disse que tudo bem, você se perguntou porque sempre se explicava demais pras pessoas, imaginou o porteiro mentalizando um “tudo bem, cara, meu deus, tudo bem”. Já ia se despedir, tava dando a volta, quando ouviu a voz do porteiro te chamando. “Seu João, tava aqui com uma dúvida. Quanto tempo o senhor aguenta barbudo sem tirar?”.
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Mais algumas recentes adições ao guia cada vez mais pessoal de desconfortos cotidianos
#Você não lida bem com elogios, então sua primeira reação é dizer que não foi nada. “Não foi nada, que isso”, você diz. A pessoa insiste e você tenta dizer que não foi algo especial, nada de mais. “Você faria igual, sério, foi bem ok”. A pessoa não deixa quieto e diz que não tem nada de ok, ela nunca faria algo assim, foi bacana mesmo. “Que isso, é você sendo gentil, certeza que tem um monte de gente que faria melhor, claro”. A pessoa definitivamente gostou e diz que não, cara, melhor que ela já viu na vida, foi espetacular mesmo. “Mas foi na sorte, sabe? Tipo, eu não consigo sempre fazer assim, né?”. Mas o cara te acha um gênio, ele gostou mesmo, ele curtiu muito. “Não, mas você não tem ideia, esse saiu bom, você gostou, mas o resto? Pô, faço muita merda, é que você me viu numa hora boa, sabe? Assim, uma em um milhão”. Mas o cara não pára, ele diz que tá lindo, ele fala que tá sensacional, ele quer te dar um abraço. E então você diz que não. Que não é assim. Que você não é tão bom. Que é tudo uma farsa. Que você não faz aquilo tão bem, que você não é um bom profissional, não é um bom filho, que queria ser um namorado melhor, que fez aulas de natação mas não se sente seguro na piscina, que as vezes cospe quando fala, que não consegue mais viver essa mentira e quando você tá começando a mencionar que chorou logo após a sua primeira vez o cara já foi embora e bem, como eu tava dizendo, você não lida bem com elogios.
Grandes estilos narrativos de taxistas #78, #79, #80, #81 e #82
#78 – o taxista interessado: tudo começa como uma viagem normal. primeiro ele pergunta pra onde você vai e você diz pra onde vai. aí ele pergunta qual caminho você prefere. você diz que qualquer um tá ok. aí ele te pergunta se o ar-condicionado tá tranqüilo, você diz que tá bacana. então ele pergunta se o banco tá de boa. você diz que tá susse. aí ele te consulta sobre a velocidade, você diz que tá fera. mas mesmo aí, quando você já está desfalcado de termos de rápida concordância e começa a temer a necessidade de usar expressões menos comuns e mais polêmicas como “da horinha” e “chablim, papito”, ele não para. ele quer saber o porquê da viagem, ele quer saber pra qual bar você vai, te pergunta quem você vai encontrar, o que você espera do final de semana, quanto tempo você tem de namoro. você está acuado, você foi criado por pais rígidos, você deixou o celular em casa, e ele te pergunta se a rádio está do seu agrado, se conhece aquela vizinhança, se tá sabendo das obras do elevado, se acha que a região portuária tem conserto. você sai do taxi exausto, tenso, emocionalmente oprimido, mas com a confusa sensação de que nunca na sua vida encontrou alguém que quisesse a sua opinião tanto assim.
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Mini-conto #18 – “Questões recorrentes sobre o tema viagem no tempo”
Nesse dia eu estava esperando um amigo na estação do metrô e perto das catracas estava um casalzinho. Na verdade não exatamente um casal, mais um garoto e uma garota.
Ela parecia ter uns quinze, daquelas meninas que cresceram mais rápido que os meninos da turma e perceberam essa informação ainda de uma maneira meio difusa, como uma mudança de ambiente que ela pressente mas não é capaz de precisar. Ele parecia ser da mesma idade, mas era menor, carregando a mochila dele, dela e um combo de cabelo cortado pela mãe, aparelho ortodôntico fixo e óculos escolhido sem muito critério que claramente pesava na vida dele mais do que todas as mochilas do mundo. Os dois estavam encostados na parede, ela olhando ansiosa pro outro lado da catraca, ele olhando ansioso pra ela, eu olhando ansioso para o candy crush porque sempre fico preso nas fases de transição já que me sinto sem graça de pedir que as pessoas me ajudem a desbloquear as etapas novas.