o elogio negativo: você tava até com uma certa vontade de assistir o filme. tinha visto o trailer, achado bacana, pinta de ser interessante. quando o primeiro amigo falou bem, você pensou aquele “ah, é bom mesmo então, né?” mas naquele sábado tava ocupado, não deu pra ver. na semana seguinte mais amigos elogiaram, cada vez com mais ênfase e você ficou “eita, mas deve ser top demais nesse caso”. mas os compromissos foram se emendando, o tempo foi escasseando, e os elogios tomaram também as redes sociais, cada vez com mais intensidade. “um filme que todo mundo devia ver”, “o melhor filme do ano”, “muito melhor que o filme x ou y”. você, que gostava do filme x ou y, que acha que o ano ainda tá muito no começo, começa a pensar que “ok, não tem como ser tão bom assim”. quando alguém diz que é um filme “obrigatório” e que “se você não gostar você não sabe o que é cinema”, você sente a sua curiosidade rapidamente se transformando num napolitano emocional com os sabores birra, antipatia e desconfiança, tudo servido numa taça com confeitos e até mesmo calda quente. quando começam a sair os textões no facebook, as resenhas emocionadas, as pessoas no twitter trocando o user delas pra nome de personagens do filme, você já está tão contra o filme que quando finalmente vai ao cinema pra assistir precisa comprar duas entradas, uma pra você e outra pra sua má vontade, que já assumiu um corpo sólido e ainda come quase toda a pipoca. você, claro, gosta do filme, era bom mesmo, mas nunca admite abertamente e evita discussões sobre o assunto por uns dois anos.
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Mais dois momentos de saturação das redes sociais que testam um pouquinho demais o nosso caráter
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Item #67 do guia de bolso dos pequenos desconfortos conversacionais
Se trata de um daqueles relacionamentos cujo grau de intimidade é confuso. Você não consideraria um amigo, mas é mais do que um conhecido, não trabalhou contigo então não é colega, vocês não tem vínculos de parentesco que você saiba. Se conhecem faz tempo mas suas horas de conversação somadas não permitiriam que vocês tirassem um brevê pra pilotar avião de papel.
Você estava esperando a namorada sair do trabalho, ele estava de passagem, você viu que ele acenava do outro lado da rua, acenou de volta, viu que ele atravessava a rua, o aceno se tornou mais tímido, viu que ele se aproximava e o que era um aceno se tornou o movimento em libras para “puta arrependimento do caralho”. Simulou uma olhada no celular mas era tarde demais para ser salvo pelo candy crush.
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Sobre primeiros beijos, saltos de fé e todo esse medo de portfólios, originais e empregos novos
Uma teoria que eu sempre tive é a de que em nenhum momento, independente de qual seja, o tempo se move tão lentamente quanto naqueles momentos antes de um primeiro beijo. Sim, os poucos segundos, logo antes dos lábios se encontrarem, em que você já moveu o corpo, olhou diretamente nos olhos, e começou a aproximar o seu rosto do dela, manifestando claramente suas intenções, deixando de lado qualquer resquício de fingimento e abandonando de vez aquela farsa de que vocês efetivamente saiam do trabalho todo dia no mesmo horário ou magicamente entravam no gtalk na mesma hora quando estava óbvio que você ficou mais de vinte minutos passando frio do lado de fora daquele prédio e estava offline jogando marvel ultimate alliance o tempo todo.
Dos problemas da ausência de um senso maior de heroísmo e realização na vida real das grandes metrópoles
E você saiu de casa atrasado. A reunião era 08:00 e por conta de uma série intrincada de eventos que envolveram desde o fim da pilha do seu despertador até uma certa dificuldade para ligar o aquecedor, passando pela ausência de meias limpas e do fato de você ter gasto dois minutos tentando encaixar uma tetra-chave numa fechadura convencional, você só conseguiu sair do seu prédio às 07:50. O tempo é curto, as probabilidades jogam contra você e ao fundo toca “against all odds”, o que apesar de meio deprimente faz um certo sentido no momento. Mas agora não é hora de lembrar que você precisa tirar esse greatest hits do phil collins do ipod, é hora de correr.
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You could be our Yoko Ono
De todos os clichês e lugares-comuns sobre relacionamentos criados pela cultura ocidental, e que vão desde o “amigo apaixonado que não tem coragem de se declarar”, até o “amor de infância que só se concretiza décadas depois” passando pela “entregadora da amazon que anda de patins pelos seus sonhos por causa de portais no subespaço”, um dos conceitos mais clássicos e duradouros é o da “namorada-castradora”. Sim, a idéia de que, como vimos em filmes, séries, livros e especiais sobre os Beatles, mulheres são capazes de, assim que um homem se compromete com um relacionamento, tomar as rédeas de sua vida de forma tal que ele é levado a mudar atitudes e comportamentos, deixando de lado o ser-humano que outrora foi e começando a viver sob o jugo de sua atual parceira, que não apenas controla suas ações como também decide seu futuro, edita seu passado e define que campeonato brasileiro nunca mais, agora só maratona de Lipstick Jungle.
Crônicas da ex-adolescência #5 – Flauta andina
Nós vivemos em mundo cheio de mistérios. O mistério da vida. O mistério do amor. O mistério da fé. O mistério do Cinco Estrelas. O mistério da Libélula (com Kevin Costner). E claro, o mistério da flauta andina. Sim, ela, a flauta andina, aquele instrumento musical que representa tudo de pior que a cultura dos Andes tem a nos oferecer (“ponchos? maneiro! lhamas? cooool! futebol na altitude? eu topo, mas vou precisar de um tubo de oxigênio e liberação da Conmebol”) e quase sempre, quando é encontrado por qualquer um de nós tendo suas gravações vendidas por homens vestidos como o Steven Seagal numa praça do centro da cidade desperta a mesma velha questão: quem diabos compra uma coisa dessas? Esta é a história de como eu descobri isso.
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